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De repente o dia jorrava luz e fazia frio. Vestiu uma camisola, por causa do frio e da luz absurda. Era uma camisola estranha e de repente um cheiro.
Sentou-se devagarinho para não o espantar - deu-se conta que esquecera o modo como esse cheiro a segurou, de como só isso em si era, foi, uma uma espécie de extâse, capaz da rendição - que mais perto a levou à rendição.
Enquanto se deitava pensou: alguma coisa mais forte me fez esquecer totalmente - eficazmente- o jeito como seu cheiro adquiria capacidades físicas e me rodeava, me dava a pertença única de ser mulher, de ser sua mulher.
Não se tratava de um perfume, não. Antes de uns braços, um peito, um toráx, umas pernas a esticarem-se para tocar, tudo aquilo a fazer-se corpo, a exalar sua anatomia física para dentro, para o meio, o meio mesmo do seu ventre.
Era isto -continuou- era isto: seu cheiro me abraçava com uma segurança que fazia encher a distância que havia, houve, haverá sempre entre nós. Entre nossos corpos.
Um cheiro que adensava seu mistério, sua falsa fragilidade - que não era seu.
Aprendemos muito tarde a distinguir as identidades. Talvez por isso ela não soube nunca que um homem não é o seu cheiro, embora estejam tão intimamente ligados que não se distinga mais - nem dissecando o cadáver - se é um que possui o outro, ou vice-versa.
Talvez não se aprenda nunca. Assim o esperou.
Vezes houve em que a seguraça do seu cheiro me levou a acreditar que era uma pureza que ele possuia sem saber, uma pureza que é dos meninos pequeninos. E orfãos.
E levantou-se. E abriu as janelas. E saiu para a rua.